sábado, 17 de agosto de 2013

O Silêncio

O silêncio andava depressivo, e pedia em voz muda para que lhe concedecem alguma atenção. Ao menos alguns momentos, mesmo que fossem poucos. No meio da harmonia caótica comum dos barulhos corriqueiros do mundo, os mesmos que se unem em prol da perturbação e enlouquecimento, o silêncio era negligenciado.

Por mais que agitasse seus braços transparentes, por mais que protestasse em revolta completa, armasse placas e cartazes ou letreiros neon... sempre passava desapercebido.
Enquanto acontecia um terrorismo sonoro e a cacofonia se tornava trilha habitual, enquanto rolava a fusão acidental de todas as menores e maiores frequências e ondas, o silêncio chorava em prantos. Ele foi criado em teoria, mas não passou disso, e viveu durante muito tempo como um fantasma em busca de vida corpórea.

Ao calar da noite, que só cala os mais barulhentos, o silêncio vagou de cabeça baixa. Nas bocas fechadas, as mesmas que não permitem a entrada de moscas, o silêncio descansou de olhos abertos. Em linhas vazias de partituras em potencial, no botão Mute do controle remoto, na opção vibrar do celular, na intenção do discurso apelante do vizinho velho e ranzinza, na vida dos surdos por deficiência ou acidente, no dedo indicador frente ao nariz, na onomatopéia ''shhhh'', em todo canto ele procurou ser notado, mas continuou sendo ignorado.

Um dia o silêncio adotou para si o rótulo da impossibilidade, e fez com que o mundo o enxergasse como lenda. O desafio de invoca-lo fez-se então existente, tornando o título de Mito do Silêncio uma fábula das mais fantásticas. A responsabilidade mítica e folclórica era agora uma verdade, e muito mais confortável com sua posição hierárquica, o silêncio teve a contentação que tanto almejou.

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