Ela
tinha os olhos de quem come a coragem de todo e qualquer ser humano que
tenha olhos para uma mulher. Era o tipo de olhar fugaz, completamente
predatório e intransigente.
‘’ Você não é nada perto da minha
profundidade’’ - diziam os olhos em silêncio. Mas o sorriso não era
complacente com as janelas pr’alma.
O sorriso era estonteante, sim, mas tinha um quê de simpatia e por incrível que pareça,
não tinha nem uma vírgula torta de agressividade. Não era aquela
simpatia forçada, mas a tipicamente natural, como a dos que nasceram
assim. Uma doçura que poderia fazer desmaiar mais de quinhentos
diabéticos, bem doce. Além disso o desenho de sua boca era um clássico,
beijos de Pin-up, com seus lábios carnudos e bem preenchidos.
O
conjunto era uma obra prima, olhos ferozes e sorriso doce: se não fosse
tão dicotômico seria o perfeito, ou talvez não perca o traço da
perfeição, não me decidi ainda.
Tenho de voltar aos olhos, pois são
o que mais me chamaram a atenção afinal de contas: ela e os olhos
tinham um tipo de cumplicidade maluca, onde cada piscadela ou
franzimento poderia dizer muito mais do que textos super articulados ou
discursos muito bem explicados.
Olhos expressivos, falam mais do que bocas empolgadas, é o que ouvi dizer.
Além disso tudo, não eram olhos azuis ou verdes, que costumam ser os
mais aclamados pela crítica. Não. Castanhos com nuances cor de mel, o
tipo de cor quente e aconchegante e que apesar de comum, quando
brilhando, são os mais bonitos.
Seus cabelos, nem tão longos e nem
tão curtos, voavam com o vento, deixando aparecer um pescoço branco e
delicado. Tão delicado quanto o resto, um corpo que não havia sido feito
para pecados graves, apesar de despertar a curiosidade a respeito da
textura, cheiro e sabor que poderiam ter.
Homem que sou devo dizer, a beleza estava ali, sem discussão.
Não uma beleza clássica de novela das nove, mas o tipo de beleza pura e
real. Não era uma garota dos sonhos, não ela. Ela era de verdade,
parecia palpável e acessível, e o melhor, quando pôs os olhos em mim, eu
soube que havia curiosidade mútua.
Um jeito um tanto pragmático e
nervoso de conversar, talvez não se sentisse bem com estranhos, ainda
mais um estranho como eu.
Fiz questão de não economizar em
expressões de análise, se eu podia ser devorado por olhares, poderia
também devolver o troco na mesma moeda.
Que será que ela pensaria disso?
Com certeza absoluta não seria qualquer um que poderia devolver o olhar, não dessa forma.
A nudez era mútua, assim como a curiosidade. A forma com que nos
olhávamos arrancava de imediato toda a carapaça de proteção que
poderíamos tentar impor para nós mesmos. Era ataque demais para pensar
em defesa, e de uma forma estranha a nudez foi natural. Nudez de
espírito e alma. Ela era confortável e natural apesar de invasiva.
Haviam me falado sobre como ela pensava, como se sentia, mas ninguém
parecia saber ao certo sobre o que estava falando. Conheci diversas
facetas, por diversas bocas, mas o apunhado de informação não parecia
bater com o resultado final, a versão em carne e osso.
Incrívelmente, mesmo as pessoas que haviam convivido com ela durante
anos pareciam ser leigas a respeito do que ela realmente era. Talvez
conhecessem as expressões, os trejeitos e alguns olhares, mas nunca a
essência.
Me disseram que ela estava sempre feliz e sorridente, que animava o mundo com sua voz volumosa e risada contagiante.
A parte do sorriso era verdadeira, estava sempre ali de fato, mas não
sei bem sobre a felicidade. Talvez se felicidade pudesse ser definida
como ausência de tristeza, ela pudesse ser feliz sim, mas os olhos
acusaram novamente.
Eram olhos marcados de alguma dor discreta, com
algum tipo de melancolia implícita. Talvez fosse normal pela época que
vivia, ela estava vivendo então os meados dos vinte e poucos anos, uma
época em que quase a unanimidade jovem passa por pequenas (ou nem tão
pequenas) crises existenciais. Sei bem disso, passei por inúmeras
dessas, e ela passava a impressão de estar vivendo o que vivi.
Talvez seja presunção, mas acho que conheci muito dela por apenas observar.
‘’O que vou ser? O que sou? Estou feliz? Por que estou feliz? Por que
vou ser? Como vou ser? Será que consigo? E se não conseguir? Por que
estou fazendo isso? Como posso conciliar isso com aquilo e ainda ter
minha própria vida?’’
As perguntas giravam num infinito círculo de
inesgotável monotonia. Não era bom, mas era incisivo e persistente,
pensamentos que não podiam ser evitados. Sua cabeça provavelmente estava
sofrendo um processo de auto-devoramento , com todas as suas questões
éticas e morais voando de um lado pro outro, se batendo contra as
paredes da segurança e confiança, impedindo a tranquilidade sobre
qualquer coisa que fosse.
Ela disfarçava muito bem, eu sabia disso.
Ela não sabia que eu sabia, ou pelo menos acho que não. Talvez
soubesse, mas não se importava em mostrar reconhecimento, preferia
continuar representando a incógnita, afinal, em crise ou não, o flerte
continuaria sendo o combustível ideal para risadas, internas ou não.
Sucinta ela passou por mim depois de me comer com os olhos e me
reabastecer de sorrisos, seu cheiro ficou espalhado pelo ar, como
tipicamente acontece com garotas incríveis.
Voltei pro meu mundo, que parecia mais cinza depois do vermelho que passou por mim. É.
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