segunda-feira, 29 de julho de 2013

Ela, ou pelo menos uma delas.

Ela tinha os olhos de quem come a coragem de todo e qualquer ser humano que tenha olhos para uma mulher. Era o tipo de olhar fugaz, completamente predatório e intransigente.
‘’ Você não é nada perto da minha profundidade’’ - diziam os olhos em silêncio. Mas o sorriso não era complacente com as janelas pr’alma.
O sorriso era estonteante, sim, mas tinha um quê de simpatia e por incrível que pareça, não tinha nem uma vírgula torta de agressividade. Não era aquela simpatia forçada, mas a tipicamente natural, como a dos que nasceram assim. Uma doçura que poderia fazer desmaiar mais de quinhentos diabéticos, bem doce. Além disso o desenho de sua boca era um clássico, beijos de Pin-up, com seus lábios carnudos e bem preenchidos.
O conjunto era uma obra prima, olhos ferozes e sorriso doce: se não fosse tão dicotômico seria o perfeito, ou talvez não perca o traço da perfeição, não me decidi ainda.
Tenho de voltar aos olhos, pois são o que mais me chamaram a atenção afinal de contas: ela e os olhos tinham um tipo de cumplicidade maluca, onde cada piscadela ou franzimento poderia dizer muito mais do que textos super articulados ou discursos muito bem explicados.
Olhos expressivos, falam mais do que bocas empolgadas, é o que ouvi dizer.
Além disso tudo, não eram olhos azuis ou verdes, que costumam ser os mais aclamados pela crítica. Não. Castanhos com nuances cor de mel, o tipo de cor quente e aconchegante e que apesar de comum, quando brilhando, são os mais bonitos.
Seus cabelos, nem tão longos e nem tão curtos, voavam com o vento, deixando aparecer um pescoço branco e delicado. Tão delicado quanto o resto, um corpo que não havia sido feito para pecados graves, apesar de despertar a curiosidade a respeito da textura, cheiro e sabor que poderiam ter.
Homem que sou devo dizer, a beleza estava ali, sem discussão.
Não uma beleza clássica de novela das nove, mas o tipo de beleza pura e real. Não era uma garota dos sonhos, não ela. Ela era de verdade, parecia palpável e acessível, e o melhor, quando pôs os olhos em mim, eu soube que havia curiosidade mútua.
Um jeito um tanto pragmático e nervoso de conversar, talvez não se sentisse bem com estranhos, ainda mais um estranho como eu.
Fiz questão de não economizar em expressões de análise, se eu podia ser devorado por olhares, poderia também devolver o troco na mesma moeda.
Que será que ela pensaria disso?
Com certeza absoluta não seria qualquer um que poderia devolver o olhar, não dessa forma.
A nudez era mútua, assim como a curiosidade. A forma com que nos olhávamos arrancava de imediato toda a carapaça de proteção que poderíamos tentar impor para nós mesmos. Era ataque demais para pensar em defesa, e de uma forma estranha a nudez foi natural. Nudez de espírito e alma. Ela era confortável e natural apesar de invasiva.
Haviam me falado sobre como ela pensava, como se sentia, mas ninguém parecia saber ao certo sobre o que estava falando. Conheci diversas facetas, por diversas bocas, mas o apunhado de informação não parecia bater com o resultado final, a versão em carne e osso.
Incrívelmente, mesmo as pessoas que haviam convivido com ela durante anos pareciam ser leigas a respeito do que ela realmente era. Talvez conhecessem as expressões, os trejeitos e alguns olhares, mas nunca a essência.
Me disseram que ela estava sempre feliz e sorridente, que animava o mundo com sua voz volumosa e risada contagiante.
A parte do sorriso era verdadeira, estava sempre ali de fato, mas não sei bem sobre a felicidade. Talvez se felicidade pudesse ser definida como ausência de tristeza, ela pudesse ser feliz sim, mas os olhos acusaram novamente.
Eram olhos marcados de alguma dor discreta, com algum tipo de melancolia implícita. Talvez fosse normal pela época que vivia, ela estava vivendo então os meados dos vinte e poucos anos, uma época em que quase a unanimidade jovem passa por pequenas (ou nem tão pequenas) crises existenciais. Sei bem disso, passei por inúmeras dessas, e ela passava a impressão de estar vivendo o que vivi.
Talvez seja presunção, mas acho que conheci muito dela por apenas observar.
‘’O que vou ser? O que sou? Estou feliz? Por que estou feliz? Por que vou ser? Como vou ser? Será que consigo? E se não conseguir? Por que estou fazendo isso? Como posso conciliar isso com aquilo e ainda ter minha própria vida?’’
As perguntas giravam num infinito círculo de inesgotável monotonia. Não era bom, mas era incisivo e persistente, pensamentos que não podiam ser evitados. Sua cabeça provavelmente estava sofrendo um processo de auto-devoramento , com todas as suas questões éticas e morais voando de um lado pro outro, se batendo contra as paredes da segurança e confiança, impedindo a tranquilidade sobre qualquer coisa que fosse.
Ela disfarçava muito bem, eu sabia disso. Ela não sabia que eu sabia, ou pelo menos acho que não. Talvez soubesse, mas não se importava em mostrar reconhecimento, preferia continuar representando a incógnita, afinal, em crise ou não, o flerte continuaria sendo o combustível ideal para risadas, internas ou não.
Sucinta ela passou por mim depois de me comer com os olhos e me reabastecer de sorrisos, seu cheiro ficou espalhado pelo ar, como tipicamente acontece com garotas incríveis.
Voltei pro meu mundo, que parecia mais cinza depois do vermelho que passou por mim. É.

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